Conto

28/10/2008 11:21

O interfone soou. Olhei para o relógio na parede, um objeto antigo de meu bisavô, e fiquei espantado com tamanha pontualidade. Corri até a porta, abri-a e encostei meu ombro direito na parede. Permaneci imóvel por quase dois minutos. A porta do elevador se abriu e a primeira coisa que avistei foi a ponta de um sapato preto. Dois metros separavam nossos corpos e, durante esse percurso, creio que não havia expressões muito significativas no rosto dela. No meu, sim. Senti-me idiotizado diante da perfeição de suas formas femininas, do brilho de seu rosto, e ficava tentando naturalizar essa sensação. Não sei se consegui. Trêmulo, beijei-lhe a mão e permiti que entrasse. Passou por mim sussurrando duas ou três palavras que não me recordo e elogiou a decoração da sala. Perguntei se bebia alguma coisa e ela aceitou uma dose de Campari com duas pedras de gelo. Conversamos por algum tempo sobre música e ela sugeriu que ouvíssemos algo de Janis Joplin. Fomos até o quarto e peguei o primeiro disco de Janis que achei. Realmente não havia nada mais excitante em minha pequena discoteca. Mais dois goles no Campari e seus olhos começaram a me indagar continuamente, aspirando toda e qualquer fraqueza de minha parte, até o momento em que, com o mais puro e infiel dos gestos, minha boca cheia de dentes deu-lhe a permissão de deleitar-se sobre o meu corpo.  Completamente perdido, fiquei deitado na cama, vendo-a de pé na altura dos meus joelhos. Com o corpo ainda coberto, perguntou-me se eu queria despi-la. Respondi que não, pois meus olhos me pediam prioridade na descoberta. Acabei deixando o tato em segundo plano. Sem pressa, tirou a blusa que, para mim, nem tinha cor alguma. Centímetro por centímetro foi abaixando a saia e, em seguida, desatou os nós laterais de sua roupa íntima. Passei a menosprezar fotos e vídeos, quase a odiá-los. Mordeu a ponta de minha camisa e, enquanto me desnudava, permitia que seu lábio inferior deslizasse sobre minha pele crua. Sua mão tocava-me avassaladoramente e meu sexo se tornava potável diante de tão incandescente cobiça. Não havia mais tecidos entre os dois corpos. Meu nervosismo foi vencido pelo desejo. Segurei em seus curtos cabelos pretos, trouxe sua cabeça para o alto e não hesitei em beijá-la. Ela demonstrava estar gostando tanto quanto eu. Girávamos sobre o colchão e sorriamos a cada vez que nossos olhos se cruzavam. Cada vez que eu ia, ela vinha com mais um pouco de força e simulava dizer alguma coisa. Na verdade, pedia continuidade e, como eu nem sequer havia pensado em parar, suas unhas desenhavam várias formas em minhas costas, arrancando-me as mais polvorosas palavras. Seus seios sorriam e pareciam pedir cada vez mais carícias. Minhas mãos e minha língua não permitiam que eles se decepcionassem, embora às vezes ela mesma se tocasse, mostrando que queria ainda mais. Palavrões, elogios, incentivos, tapas, mais arranhões, entradas, suspiros, saídas, costas, pêlos, sorrisos, carne, látex, carne, mãos, látex, chão, preocupação, pedidos, despreocupação, carne, carne, tempo, entradas, dança, saídas, apelos, apelos, apelos... Lembrei do relógio de meu bisavô e percebi que o tempo parecia não passar, mas passou. Primeiro ela, depois eu. Duas vozes soando em um mesmo volume e trazendo consigo a sensação mais procurada pela humanidade. Gemidos, vogais e risos. Ela deitou-se sobre o meu corpo, respirou abraçou-me como se abraça uma criança e motivou nossos lábios a se tocarem como uma nuvem que apenas passa por outra nuvem que continuará parada. Levantou-se e, de uma forma corriqueira, alisou meus cabelos; enxugou o suor que rolava em meu rosto e sorriu. Alisou novamente meus cabelos e deu-me um outro beijo. Já não eram mais duas nuvens, mas sim terra e semente. Vestiu-se, jogou minhas roupas sobre a cama e sugeriu que me vestisse. Não atendi ao seu pedido. Conformou-se com minha inércia e estendeu-me a mão. Silêncio. Só então retornei à realidade. Abri a carteira e lhe paguei o dobro do combinado. Pediu-me uma última gentileza: um copo com água. Caminhei nu até a cozinha e fiquei observando o ritual: um gole, o comprimido na boca, outro gole e o sorriso. Andou até a porta, parou, abriu a bolsa e atendeu ao celular. Consegui ouvir algumas palavras. Eram exatamente as mesmas que escutei em nossa primeira conversa por telefone. Sorriu, acenou e bateu a porta. Eu fiquei na sala com os olhos presos ao relógio de meu bisavô. Tranqüilo, sereno e realizado. Em momento algum pensei em ter filhos com ela e achava bom saber que uma porção de minha vida estaria morta dentro de sua vida morta. Viva!

Thiago Kalu.

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